Antes de comprar o bilhete

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É oficial. Sua camisa está bagunçando minha pilha de roupas pra semana. Enquanto você dorme ocupando o espaço de três pessoas em minha cama, vejo o sol batendo em suas pintinhas das costas e sei que chegou o momento de te dizer algumas coisas. Talvez até já tenha dito, mas você, com esse sorriso bobo demais para o rosto, insiste em fingir que não está ouvindo. Antes de mais nada, você precisa saber o quanto adoro esse seu sorriso, aliás, lembro exatamente da primeira vez que você sorriu para mim. Talvez lembrar de tantas coisas suas, como o jeito que arruma meu cabelo, ou seu cheiro até quando você não está aqui seja o motivo pelo qual eu preciso te dizer: você precisa ir. Agora, sem piscar, se despedir ou pegar seu suco de laranja com 3kg de açúcar.

A verdade é que eu não fui feita pra isso. Você sabe. E não adianta encarar o papel com essa ruga na testa, tão presente desde que nos conhecemos. “São sete da manhã de uma segunda, por que você está dançando na chuva?” “SÃO SETE DA MANHÃ DE UMA SEGUNDA, POR QUE EU NÃO ESTARIA DANÇANDO NA CHUVA?” “Você é louca!” “E quem não é?” A ruga sumiu, você sorriu. Eu sorri, mesmo que detestasse cada uma dessas pessoas que se escondem da chuva e da vida. Talvez só estivesse bêbada. Até hoje juro que não, embora você não acredite. Depois de quatro cafés – com baldes de açúcar que eu nem tive forças de reclamar – você me colocou em um táxi, com uma margarida roubada na mão e um bilhete no bolso. “Pode ser que eu tenha achado essa sua loucura um charme, mas se cuida, garota, mesmo.” A letra parecia de criança, encarei a margarida, a margarida me encarou. E a história ficaria linda com esse final. Então você surgiu, sem explicar porque, na mesma esquina, em outra segunda. Não chovia, eu não estava dançando, a sua mão segurava uma margarida, dessa vez comprada. “Eu jurei que você não ia mais passar por aqui e eu seria o cara que perdeu o estágio pra te esperar.” Pensei em minhas amigas suspirando quando eu contasse, pensei em mim mesma suspirando caso visse isso em um filme, eu amo amores de filme, nos filmes. Na vida, queria correr, ao mesmo tempo, queria ficar e entender o que de tão interessante tinha te feito voltar. “Você. E, sim, sei o quanto isso é ridículo.”

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Correr. Ficar. Se você imaginasse quantas vezes eu escrevi nas paredes e folhas essas duas palavras…  Para ter uma ideia, deve ser superior a todas as em que te disse que não era a garota certa. Eu não sou. Você, mesmo assim, insiste, segurando minha cintura e dizendo o quanto adora cada uma das minhas loucuras e frases sem sentido. E já me pego mais uma vez, escrevendo a palavra ‘ficar’ na lista de compras. O problema que você ignora é que nossos ficares são diferentes e já quer comprar o bilhete sem nem saber o destino da viagem. “Muito me admira você, que se joga em tudo, sem nem piscar, me dizer isso” SIM, EU SEI O QUE VOCÊ PENSOU. Então solta o bihete e vamos discutir os pontos turísticos.

Antes de tudo, de qualquer coisa mesmo, antes até de Coldplay (que é sagrado) eu não quero você para mim, muito menos, sou sua. Eu posso te ensinar a jogar boliche, plantar hortênsias ou te levar para a festa de setenta e dois anos de casados dos meus avós, chorar no seu ombro, cantar no seu chuveiro, no seu ouvido, beijar seus olhos, te jogar no tapete, dividir meus filmes antigos, minha série preferida, meu cobertor e minha vida, usar suas roupas por terem seu perfume, desenhar patos com frases engraçadas em cada um de seus bilhetes ou folhas de cálculo e, mesmo assim, não sou sua. Não faz sentido nenhum, eu sei. Pelo menos, não para você. Você quer segurar mãos, montar casa, com um gramado e jardim. Eu quero que o mundo seja nossa casa. Isso, nossa. Adoraria te arrancar desse escritório e te carregar pelo mundo, ao mesmo tempo, passaria por países sozinha, com minha câmera e um caderno. Ao mesmo tempo, ligaria às três da manhã e te pediria pra atravessar o Atlântico pra dormir abraçado em mim. E isso, mesmo sendo tão confuso, seria o máximo de amor que consigo imaginar que exista. Tempestade, desequilíbrio, não os chatíssimos conforto e calmaria. Eu quero queimar um pedacinho cada vez que você me ver. Quero soltar sua mão sem saber quando vou voltar a segurá-la. E sim, sei o quanto você detesta isso.

Eu detesto isso.  Muito. Odeio te ver sem saber para onde ir, segurando coisas para que eu não corra. Eu não quero que você se prenda, nem me entenda, nem que mude, eu quero você livre, com o sorriso leve e o cabelo bagunçado. Juro que se soubesse que te manter por perto iria causar tudo isso, teria faltado ao encontro no parque vazio, deixado de bater na sua porta, depois das minhas festas, com maquiagem borrada, comida e uma cerveja. Não teria escrito meu nome na sua parede de fórmulas, te emprestado o melhor livro do mundo, muito menos, em segredo, te contado sobre todas as coisas que formam essa bagunça ambulante de cabelos castanhos que sou. Teria, lá naquela segunda-feira, derrubado seu guarda-chuva, te beijado na chuva e corrido. Guardaria a margarida no fundo de um livro e você em mais uma daquelas histórias incríveis que podiam ter sido, mas não foram. Só pra que, agora, você não estivesse caminhando em meu apartamento de um cômodo, pensando se eu realmente tenho razão, ou se você ama tanto essas esquisitices assim. Rasgar o bilhete ou preparar a mala? Correr ou ficar? Tempestade ou calmaria? Devo estar bebendo o sexto uísque enquanto espero você bater a porta ou sentar no sofá e pedir comida para dois, mesmo sem saber que horas vou chegar em casa. E o que você vai fazer? Sinceramente, querido, eu não sei. Mas, se eu fosse você, fugiria.

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