Sobre a polêmica do shortinho

Ta, eu vou falar. Vocês não sabem quantas vezes eu pensei em escrever esse texto e depois disse pra mim mesma ‘ai miga, deixa assim’. Tinha um montão de gente empoderada maravilhosa falando sobre com argumentos tão bons que preferi ficar só acompanhando. EIS QUE na manhã de hoje o pessoal do contra resolveu jogar ao mundo suas opiniões sobre como o short é prejudicial à instituição escola, foi aí que uma guriazinha lá dos meados dos anos 2000 me cutucou. Quem era? Eu mesma, brigando pelas mesmas causas em um passado não tão distante.

Duvido que alguém não saiba exatamente do que eu estou falando, maaas como pseudo jornalista é sempre bom contextualizar: durante essa semana, alunas do Colégio Anchieta de Porto Alegre causaram alvoroço ao lançarem o abaixo-assinado online ‘Vai ter shortinho sim’ contra as regras arcaicas de vestimenta da escola, que proíbe, por exemplo, o uso de short. Enquanto estive acompanhando, o número de assinantes girava em torno de 4000. Fica um pedacinho da carta, ótima leitura, de orgulhar e sentir uma pontinha de esperança no nosso futuro. 

“Nós, alunas do ensino fundamental e médio do Colégio Anchieta de Porto Alegre, fazemos uma exigência urgente à direção. Exigimos que a instituição deixe no passado o machismo, a objetificação e sexualização dos corpos das alunas; exigimos que deixe no passado a mentalidade de que cabe às mulheres a prevenção de assédios, abusos e estupros; exigimos que, ao invés de ditar o que as meninas podem vestir, ditem o respeito.

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[…]

Ao invés de humilhar meninas por usar shorts em climas quentes, ensine estudantes e professores homens a não sexualizar partes normais do corpo feminino. Nós somos adolescentes de 13-17 anos de idade. Se você está sexualizando o nosso corpo, você é o problema.

Quando você interrompe a aula de uma menina para forçá-la a mudar de roupa ou mandá-la pra casa por que o short dela é “muito curto”, você está dizendo que garantir que os meninos tenham um ambiente de aprendizagem livre de “distrações” é mais importante do que garantir a educação dela. Ao invés de humilhar meninas pelos seus corpos, ensinem os meninos que elas não são objetos sexuais.”

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PÁÁÁÁÁ. Um glorioso tapa na cara de todo mundo. Queria eu ter essa eloquência e todo esse discernimento tão cedo. A carta causou comoção, meninas e mais meninas, estudantes do Anchieta ou não, levantaram a bandeira, já batida e debatida por nós tantas vezes, ainda assim não ouvida: nosso corpo, nossas regras. O que eu visto não me faz piranha, não me faz santa, não me faz competente. O que eu visto diz respeito apenas a mim e ninguém mais. Parem de achar que TODOS podem opinar sobre como nós nos comportamos, isso não diz respeito a ninguém.

E é aí que chega o momento de nos dizerem que a gente exagera. É? Pois deixa eu contar uma historinha. Lá pelos gloriosos 2005/2006 numa cidadezinha beeem de interior, eram oito e dez da manhã. Uma garota subia os degraus da escola, com um short e camiseta, quando foi barrada. Ela sempre tinha se vestido assim, mas agora que estava virando ~~~mocinha~~~ precisava ~~~se comportar~~~. Era verão, era calor. Hoje tudo bem, mas se ela voltasse vestida assim não iria entrar na aula. Quando ela caminhou no calor até em casa, não entendeu porque a escola poderia dizer o jeito com que ela devia se vestir. Nunca sequer tinha pensado em objetificação do corpo, mas de uma coisa ela sabia: no dia seguinte, ia de short. Mais um dia barrada. A coordenadora apontou pra pilha de uniformes da escola sujos e empilhados e ameaçou a obrigar a vestir os camisetões se ela voltasse a aparecer assim “Tu gosta tanto de modinha, pois vai vestir isso aqui”. Ela se sentiu mal, todo mundo sabia que as camisetas fediam. Ela gostava de moda. O colégio não era desfile, a vida era. E é bem por esse ponto que o ela vira eu. Foram dias de afronte, conversas com a diretora, ameaças de semi telefonemas pros pais, que, obviamente, sabiam como eu me vestia. O problema? Aparentemente um par de pernas.  No fim, eu/ela ganhou no cansaço. Era caso perdido. Pelo menos só tirava dez.

Hoje mais do que nunca, não admito que alguém ache que pode dizer como nós devemos nos portar. Machismo não passará e mesmo que seja essa uma tarefa beeeem cansativa é questão de sobrevivência. Aí, obviamente, surgiu o pessoal do ‘MAS NÃO É MACHISMO, É SE VESTIR DE FORMA ADEQUADA À OCASIÃO’ ‘ESCOLA NÃO É PASSARELA’ ‘COLÉGIO É LUGAR DE ESTUDAR’. Ao invés de só colocar gifs de pessoas dormindo para essas frases, vamos conversar.

1 -‘MAS NÃO É MACHISMO, É SE VESTIR DE FORMA ADEQUADA À OCASIÃO’ Por mais que eu saiba como pretendo me vestir para uma entrevista de emprego, um jantar na casa do sogro, ou a formatura de sei lá quem, isso sou eu, as minhas roupas e os meus pensamentos. Isso, por mais que o pessoal esqueça, não me dá o direito de achar que devo proibir alguém que não está nos meus padrões. A própria moda, cada vez mais está atenta para os looks vanguardistas, o destaque não é mais tanto para a passarela e sim para o que o pessoal que nem foi convidado para o desfile está vestindo nas ruas.

2 – ‘ESCOLA NÃO É PASSARELA’ Pode até não ser passarela, mas a roupa é sim uma forma de expressão. Por muito tempo nós fomos (e ainda somos) caladas, ditar regras para nossas peças é só mais uma tentativa de nos silenciar.

3 – “O COLÉGIO É LUGAR DE ESTUDAR!” Essa não é nenhuma novidade. Agora, existe algum estudo que relacione o arzinho batendo nas pernas com pane no cérebro? Desvio de atenção? Vontade de jogar os cadernos fora? Nenhunzinho. Passei o Ensino Fundamental e Médio tirando boas notas, fui oradora da turma nas duas formaturas. Me formei em Informática. Estudo Jornalismo na Federal do Rio Grande do Sul. TUDO ISSO DE SHORT. Então, mais uma vez, não nos julguem por nada além do nosso caráter.

Acho que já me estendi bastante. Pra finalizar, mais dois comentários que li no meio dessa “compartilhação” toda:”Triste mesmo é que as gurias ainda precisam lutar pra poder escolher uma roupa qualquer”. Por último, “ESSA GERAÇÃO NÃO SABE RESPEITAR REGRAS”: Não respeitem mesmo, gurias, a gente já passou por muita coisa pra ter que obedecer agora. Coloquem o short, a saia, a calça, tirem a blusa se quiserem, o mundo, mesmo que não pareça, é nosso.

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