Tightrope

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A sala está vazia, minha camiseta preferida – que virou seu pijama – está jogada no sofá e, olhando para tudo isso, poderia ser mais um dia qualquer. Depois de encontrar um envelope amassado com mais um de seus típicos desenhos de patos com recados – dessa vez, um pedido de desculpas – sorri amargo, mas tão amargo que nem todo o açúcar que uso no café seria capaz de disfarçar. E você sabe da tonelada a qual me refiro, visto que tenta diminuir, pelo menos, uma colher a cada manhã. Antes de pensar em tudo, na verdade, depois de ter caminhado por essa sala e tropeçado nos seus cadernos infinitas vezes, queria te dizer mil coisas, mas, acima de todas elas, querida, eu queria, do fundo do coração, te dizer três palavras: vá se foder!! UMA CARTA, MARINA, U M A   C A R T A?! Como você acha que pode simplesmente juntar todas as porras dessas suas palavras e me mandar fugir? Ok, você sempre foi melhor em mostrar a bagunça que se passava aí dentro por palavras, inclusive, essa parte sua, tão complicada e cheia de teorias que você mesma inventou é provavelmente a segunda ou terceira coisa que mais amo em você. A primeira? Deve ser o seu sorriso depois de cada espirro, ou sua mania insuportável de desativar todos os alarmes de proteção que eu costumava ter, afastando minha consciência: você é um maremoto e, enquanto todos correm, eu prefiro ficar sentado na beira da praia, achando que, provavelmente, esse é o melhor dia de todos.

Eu também lembro exatamente da primeira vez em que você sorriu, encharcada, enquanto dançava na calçada, tentando me convencer de que deixar tudo de lado era uma ótima ideia, eu devia ter passado reto, ignorando todo esse pacote incrivelmente sedutor de como viver a vida no agora que você é. Você, com esse sorriso largo e batom escuro me bagunçou, tirou espaço do meu armário, ocupou meus sorrisos, meus pensamentos, me fez achar que te buscar depois de uma festa, às seis da manhã, no meio de uma rua deserta, na véspera da minha prova mais importante, parecia a única coisa que eu podia fazer. Nesse dia, enquanto você cantarolava dez motivos pelos quais eu não podia perder o nascer do sol, descobri que te amava. Teria como não amar? Sim, eu sei que, se estivesse aqui, você listaria no mínimo vinte razões pelas quais eu não deveria te amar. E eu conheço cada uma delas. Mesmo. Estão todas anotadas em um bloquinho, que guardo na gaveta do lado da cama. Você nunca me viu abrir essa gaveta? Pois é, a cada madrugada, antes de abrir minha porta para seus olhos borrados e suas cervejas, que misteriosamente chegam geladas mesmo que o mundo faça 58ºC, encarei os vinte tópicos e, para cada um deles, encontrei cinco coisas positivas. No fim, acabei riscando todos, um por um, com a maior ruga que já tive na testa.

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Na verdade, uma parte de mim sempre soube que esse dia iria chegar. Eu poderia encher um caderno com os seus ‘Eu não fui feita pra isso, você sabe’. Você não foi. Mesmo. Seu corpo treme só de pensar que encontrou nesse cara com a barba por fazer aquele clichê que as pessoas buscam a vida inteira. Eu não me importo. Nunca tive certeza se acreditava nisso mesmo. Inclusive, depois de você, para mim, amor, é corda bamba. Isso mesmo, durante todos esses meses tenho andado em uma corda bamba, tentando equilibrar tudo que sinto e o que você sente, sem me estraçalhar na queda. É incrível como nós podemos ser tão genuinamente diferentes e ainda assim parecermos a melhor alternativa. E não, isso não é discutível, nem adianta tentar argumentar.

Você lembra daquela noite, em que vimos sua banda preferida naquele bar no meio do nada, depois de viajarmos três horas e nos perdermos doze vezes? A luz que piscava refletia em seu sorriso alheio a todos, até que você parou de sorrir. ‘Presta atenção, essa que vai tocar agora, em parte, é nossa!’. Ouvi. Era incrivelmente linda. E, realmente, incrivelmente nossa: éramos os piores juntos. Você não achou lindo, inclusive, usou a mesma frase, enquanto segurava meu rosto cuidadosamene, antes de bater a porta e decidir que eu devia encontrar alguém melhor. Alguém melhor. Eu só queria que, pelo menos por um dia, você se visse como eu vejo. Talvez assim fosse mais fácil entender essa vontade que tenho de escrever todas suas frases engraçadas pelos muros das cidades e distribuir suas caretas para cada pessoa que passar na praça. Sim, você deve estar surtando ao ler isso e, pela primeira vez, eu não me importo.

Você tem medo, Marina. De me deixar entrar, mesmo que, sem perceber, já tenha deixado. Meu acampamento está montado e você ainda segue me mostrando a placa de riscos de descargas elétricas. Às vezes me pergunto se poderia viver no olho do furacão para sempre, reconstruindo minha casa a cada calmaria e ignorando que, em pouco tempo, vai tudo pelos ares novamente. No fundo, antes mesmo de perguntar, já sei a resposta. Você também sabe, está na sua música preferida: você, nas exatas palavras dela, ‘é a tragédia que eu peço pra acontecer’. O sétimo uísque deve estar chegando em sua mesa, enquanto espera minha fuga. Minha mala está pronta. O mundo vira, novamente, um picadeiro. A corda bamba está estendida, só que, dessa vez, quem vai subir é você. Eu, pela última vez, vou estar esperando com a mão estendida, na mesma esquina que nos trouxe até aqui. Você, como na primeira vez, vai decidir se deve pegar ou não. E o que você vai fazer? Sinceramente, querida, eu não sei. Mas, se eu fosse você, NÃO fugiria.

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